Ministério da Justiça exonera missionário da coordenação de índios isolados da Funai

Nomeado em fevereiro após uma manobra no regimento interno da Funai para ser o responsável pela proteção de povos isolados, Dias Lopes continuou ligado a missões evangelizadoras de indígenas. A Funai sempre afirmou que seu coordenador havia se desvinculado de projetos missionários há mais de 10 anos, onde atuou pela Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), mas registros levantados pelo GLOBO e depoimentos de índios que trabalharam com o pastor revelaram uma atuação de bastidores do religioso, com foco na formação de futuros ministros que dariam a continuidade ao trabalho por ele iniciado.
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Entre as muitas atuações desastrosas e incompatíveis com o cargo que ocupava, Ricardo Lopes Dias foi acusado, recentemente, de tentar quebrar a quarentena da Covid-19 e indicou missionários para área de índios isolados. O caso foi denunciado pela ex-chefe de proteção no Vale do Javari Idnilda Obando, em ofício enviado ao Ministério Público Federal (MPF) e à Diretoria de Proteção Territorial da Funai, revelado pelo GLOBO.
No documento, a servidora cobrou da diretoria da Funai medidas contra o coordenador a quem chama de “ameaça à política pública do não contato aos índios isolados” e o acusa de “proselitismo religioso junto aos indígenas recém-contatados”.
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Omissão na crise da Covid-19
Dias é acusado por lideranças indígenas de omissão diante da crise sanitária que ameaça os povos das aldeias em meio à pandemia de Covid-19 e de não ter tomado nenhuma decisão a respeito das denúncias de invasões de missionários reveladas pelo GLOBO no Vale do Javari, um dos motivos que levou o Ministério Público Federal (MPF) a recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra a sua nomeação para o cargo.
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A atuação de Dias Lopes nos bastidores da evangelização demonstrava flagrante conflito de interesses pelo cargo que ocupava, além de ferir a política de não contato sustentada pela Constituição de 1988.
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Isso porque uma das funções do cargo de coordenador é trabalhar com informações sigilosas como a localização exata de povos isolados e de recente contato e a permissão para ingresso nessas terras indígenas. O setor que estava sob a chefia de Dias Lopes foi até hoje o responsável pela fundamentação técnica que impediu a invasão de missionários nesses territórios afim de não permitir qualquer atividade de proselitismo religioso.
Além disso, o coordenador tem o poder de aprovar estrategicamente as expedições para localização de índios isolados na Amazônia.
O MPF sustenta que a escolha de Dias Lopes pela Funai para o cargo acarretou em “condutas problemáticas” adotadas pelo coordenador. Os procuradores alegam que Dias Lopes tem profundas ligações “com organização que tem por meta estreitar com os indígenas, preferencialmente os isolados e de recente contato, relações de dependência favoráveis à propagação da fé”. Na ação que pedia a revogação de sua nomeação, o MPF vê ainda ameaça de “genocídio e etnocídio” contra povos indígenas isolados, conflito de interesses, incompatibilidade técnica e risco de retrocesso na política de não contato adotada pelo Brasil desde a redemocratização em relação a esses povos.
Atualmente, existem 86 registros da presença de índios isolados no Brasil que carecem de pesquisas para sua confirmação, alguns localizados em regiões com grandes fazendas de poderosos proprietários de terras. A letargia, a omissão ou a decisão errada podem provocar o desaparecimento de grupos de indígenas isolados existentes nessas regiões, como já ocorreu inúmeras vezes na história da Amazônia.
Procurada, a Funai afirma que a mudança no comando da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) “não implica nenhuma alteração na condução das atividades realizadas pela fundação”.
A fundação, no entanto, não respondeu aos questionamentos sobre os motivos da exoneração de Dias Lopes, nem como está a situação dos povos isolados em relação à Covid-19.